
A pergunta é bastante simples, assim como parece simples respondê-la, mas se olharmos de forma cautelosa, podemos nos debruçar sobre a complexidade que o tema evoca.
O assunto nunca esteve tanto em voga nas mídias, nos consultórios médicos e em todas as classes sociais como agora. Dos antigos aos mais modernos, o império dos medicamentos da alma está erguido. Saudosismos à parte, não se ouve mais a pergunta que não quer calar: “quem sofre, do que sofre, por que sofre e quais os destinos do sofrimento?”
Inicialmente, vivemos numa sociedade imersa no sistema capitalista, na qual o imediatismo e o consumismo exacerbado são questões privilegiadas. A política do discurso capitalista se empresta como um véu que anula o ser humano enquanto um sujeito desejante, produzindo nada mais, nada menos, que consumidores passivos e ao mesmo tempo vorazes que se lançam de forma lasciva no mundo do consumo. Para não se confrontar com a falta, que é estruturante e inerente a todo aquele inscrito na linguagem, o homem deste século sepulta aquilo que lhe é mais subjetivo.
Paralelo a este imenso “parque de diversão”, encontra-se o universo dos medicamentos com seu crescimento agressivo e assustador. O acesso facilitado, o custo razoável, o grande leque de opções são fatores que fomentam o uso abusivo de psicotrópicos. O que impera na nossa cultura atualmente é a venda da ilusão de que este tratamento, de modo exclusivo, irá garantir uma promessa. Promessa de cura do mais íntimo sofrimento, promessa de felicidade, da resolução de um conflito. Trata-se de uma lógica um tanto quanto sedutora, na medida em que está explícita a ideia de uma suposta rápida sensação de melhora, o que corrobora com a premissa de que tempo é dinheiro. Por que então perder tempo com algo custoso e trabalhoso se é tão mais fácil, rápido e acessível o alcance de uma farmácia com uma receita nas mãos ? Sendo assim, se faz necessário a produção de algo que possa dar conta de um vazio inefável, pois o homem nem ao menos consegue dar-se tempo para pensar na origem de seu conflito. Como marionetes, entrega suas mazelas ao destino, como se houvesse, alguma coisa que pudesse dar conta dessa inexorável falta de sentido no mundo.
Todavia, um desconhecido que nos habita não pede licença, não tem dia nem hora para chegar, não bate à porta; simplesmente atravessa a vida de quem padede de forma avassaladora. Depressão, síndrome do pânico e outras mais são tratadas como doenças e distúrbios exteriores e não pertencentes ao homem. De modo algum descartamos a hipótese de muitas vezes o medicamento se fazer necessário. Porém, reduzir o discurso da ciência como única forma de tratamento para lidar com as questões psíquicas é situar o homem num lugar de objeto, não o responsabilizando por seus sintomas e seu padecimento. Faz-se, portanto, fazer a inclusão deste homem, com sua fala, sua estória, manifestações de sua singularidade. O discurso da ciência traduz as classificações psiquiátricas numa massa amorfa, pois todos acabam por ser tratados como seres anônimos, puros organismos. A mesma droga pode ser prescrita para inúmeros pacientes, como se o problema de cada um não partisse de uma verdade singular.
O discurso da psicanálise caminha na contramão do capitalista, colocando o inconsciente como pilar de toda sua construção. Isto significa implicar o sujeito em seu pathos, para que possa, desta forma, produzir um saber sobre sua singularidade. Se é das palavras ouvidas e bem ou mal-entendidas que se sofre, cabe o percurso de uma análise, levar o sujeito a reouví-las por si mesmo para que deixe de ser figurante e passe a ser protagonista de sua estória e sua vida. Se em algum momento, o sujeito foi afetado pelo o que lhe foi dito, que ele possa, no transcorrer deste percurso, traduzir tais ditos com suas palavras, o que acarreta em re-significar sua estória e promover uma mudança de posição subjetiva. Trata-se não de excluir o passado, mas de reconstruí-lo – tal como uma colcha de retalhos _ com novos re-cortes, com um novo olhar, um novo sentido, um novo presente.